Um apagão nas telecomunicações isolou Bangladesh do resto do mundo na sexta-feira, enquanto o país de 170 milhões de pessoas se encaminhava para uma nova onda de violência após dias de protestos e confrontos cada vez mais intensos entre estudantes e forças de segurança.
O governo proibiu manifestações públicas na capital Dhaka, onde prédios foram incendiados em meio aos confrontos na quinta-feira. Estudantes estão protestando contra o sistema de cotas de empregos do país. Pelo menos 19 pessoas morreram na violência desta semana.
Mas na sexta-feira, mesmo em meio à repressão à conectividade telefônica e à internet, os protestos tomaram novas formas — incluindo aparentes ataques de hackers aos principais sites do governo.
Aqui está mais sobre os protestos e para onde eles estão indo.
O que aconteceu em Bangladesh na quinta-feira?
Os protestos que começaram semanas atrás viram violência no início da semana depois que estudantes manifestantes foram atacados por ativistas da Liga Chhatra de Bangladesh (BCL), a ala estudantil do Partido Liga Awami da primeira-ministra Sheikh Hasina.
Como os manifestantes se recusaram a recuar, o governo ordenou na quarta-feira o fechamento de todas as universidades — os epicentros do movimento contra as cotas. Mas os estudantes se recusaram a desocupar os campi, em um tenso impasse.
Então, na quinta-feira, essa tensão explodiu em violência mortal. Milhares de estudantes entraram em confronto com a polícia armada em Dhaka. Durante esses confrontos policiais, onze pessoas foram mortas, incluindo um motorista de ônibus e um estudante, disseram fontes policiais à Al Jazeera. A agência de notícias AFP relatou que 39 pessoas foram mortas esta semana — 32 somente na quinta-feira. Reportagens da mídia local estão dizendo que pelo menos 28 foram mortas até quinta-feira. A Al Jazeera não conseguiu verificar esses números de forma independente.
Prédios incendiados, internet fora do ar, site de banco hackeado
As autoridades cortaram os serviços móveis e de internet para conter a agitação na quinta-feira. De acordo com o órgão fiscalizador NetBlocks, o país do sul da Ásia enfrentou um apagão completo e nacional de internet por mais de 16 horas.
A polícia divulgou uma declaração acusando os manifestantes de queimar e vandalizar prédios, incluindo a polícia e escritórios do governo. Isso incluiu a sede em Dhaka da emissora estatal Bangladesh Television (BTW), que permanece offline desde então.
Os sites das principais organizações de notícias, incluindo The Daily Star e Dhaka Tribune, permanecem offline.
E vários sites oficiais em Bangladesh parecem ter sido hackeados por um grupo conhecido como “THE R3SISTANC3”.
Os sites hackeados incluem os do banco central, do gabinete do primeiro-ministro e da polícia.
No site do Gabinete do Primeiro-Ministro, a mensagem diz “Parem de Matar Estudantes”, e então, em letras maiúsculas vermelho-sangue: “Não é mais um protesto. É uma guerra agora.”
Detalhes dos supostos hackers não são conhecidos. Os sites do banco central e da polícia permaneceram inacessíveis quando a Al Jazeera tentou contatá-los.
Por que os estudantes estão protestando contra o sistema de cotas de Bangladesh?
Estudantes universitários em Bangladesh estão pedindo que o sistema convencional de cotas de empregos do país seja reformado. Sob o sistema, mais da metade dos empregos governamentais muito procurados são reservados
Os protestos eclodiram depois de 5 de junho, quando o Tribunal Superior ordenou o restabelecimento da cota de 30% para filhos de combatentes pela liberdade que participaram do movimento de libertação do país em 1971.
O sistema de cotas estava em vigor desde 1972 e foi abolido por Hasina em 2018 como resultado de protestos estudantis, antes de o tribunal trazê-lo de volta em junho.
Os estudantes argumentam que os empregos reservados para combatentes pela liberdade beneficiam um pequeno grupo de pessoas, filiadas à Liga Awami de Hasina, que liderou o movimento pela independência do Paquistão.
O desemprego é galopante em Bangladesh, onde 40% dos jovens não trabalham nem frequentam a universidade.
Qual é o próximo?
A Suprema Corte do país suspendeu a reintegração de cotas da High Court após o apelo do governo. Ela definiu 7 de agosto como a data em que ouvirá o desafio do governo à decisão da High Court.
O governo Hasina diz que concorda com os estudantes em acabar com a cota, uma posição que deve reiterar perante a Suprema Corte. Mas os manifestantes estudantis estão exigindo uma emenda legal contra a cota — eles dizem que não confiam no governo.
Estudantes foram às ruas na manhã de sexta-feira e contramanifestações foram planejadas após as orações do meio-dia.
Como Hasina respondeu?
Na quarta-feira, Hasina pediu paciência e pediu aos estudantes que aguardassem a decisão da Suprema Corte.
No mesmo dia, o primeiro-ministro também anunciou uma investigação judicial para investigar os assassinatos ocorridos.
Em 14 de julho, Hasina deu a entender que os manifestantes eram “Razakars“, um termo ofensivo para aqueles que colaboraram com o Paquistão durante a guerra de 1971. Essa comparação atraiu ainda mais a ira dos manifestantes.
- Na segunda-feira, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matt Miller, criticou a violência contra os manifestantes. “A liberdade de expressão e a reunião pacífica são blocos de construção essenciais de qualquer democracia próspera, e condenamos qualquer violência contra manifestantes pacíficos”, disse Miller. O Departamento de Estado tem repetido desde então que está preocupado com a violência em Bangladesh.
- O chefe da ONU, Antonio Guterres, pediu “contenção de todos os lados”, de acordo com uma coletiva de imprensa de quinta-feira por seu porta-voz Stephane Dujarric. “Apelamos às autoridades de Bangladesh para trabalhar com sua população jovem, encontrar soluções para os desafios atuais e catalisar sua energia em direção ao crescimento e desenvolvimento do país”.
- Na quarta-feira, a Anistia Internacional divulgou um artigo condenando as autoridades de Bangladesh. “Autoridades de Bangladesh usaram força ilegal contra estudantes manifestantes e falharam em garantir sua proteção”, disse a organização internacional.
- “A Anistia Internacional condena veementemente o assassinato do estudante Abu Sayed e os ataques contra manifestantes pela reforma de cotas em todo o país”, Taqbir Huda, pesquisador regional para o Sul da Ásia na Anistia Internacional, foi citado no artigo.
- Na sexta-feira, um grupo chamado Ativistas da Organização Democrática de Estudantes de Toda a Índia (AIDSO) se reuniu em Nova Déli, na Índia, para expressar solidariedade aos estudantes que protestavam em Bangladesh.