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“Cat Lady, Brat”: Ataques da mídia contra Kamala Harris seguem um padrão sombrio

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'Senhora dos gatos sem filhos, pirralha': ataques da mídia a Kamala Harris seguem um padrão sombrio

Kamala Harris é a provável candidata presidencial democrata. E embora ela não seja a primeira mulher indicada pelo partido democrata, nem a primeira pessoa de cor, ela enfrenta o desafio crescente de ser ambos.

Ela estará sujeita a um cenário midiático altamente combativo e partidário, contra um oponente que leva a retórica política ao extremo.

A questão crucial continua sendo se a mídia pode avaliar de forma justa suas qualificações para o cargo. A resposta pode impactar profundamente a participação política das mulheres – não apenas nos Estados Unidos, mas globalmente.

Sexista, racista, transfóbico: tratamento dado pela mídia a Harris no passado

A cobertura da mídia sobre Harris até o momento reflete o cenário profundamente partidário dos EUA, com eleitores democratas e republicanos consumindo e confiando em dois cenários de mídia quase inversos.

Enquanto a grande mídia começa a considerar Harris como a provável candidata (o New York Post se refere a Harris como a primeira ‘DEI [diversity, equity and inclusion] Presidente’, então estamos tendo um começo previsível), o escrutínio anterior, particularmente durante suas campanhas passadas, destaca temas persistentes de sexismo, racismo e teorias da conspiração.

Essas investidas da mídia ecoam ataques enfrentados por outras mulheres líderes no mundo todo.

Nas eleições americanas de 2020, a análise do discurso online de mulheres políticas (78% do qual foi direcionado a Harris) descobriu que as mulheres enfrentaram três narrativas familiares.

Primeiro, narrativas sexualizadas (que Harris “dormiu até o topo”). Segundo, narrativas transfóbicas (insinuando que Harris era secretamente um homem). E, terceiro, narrativas racistas ou racializadas (se Harris era adequadamente negra ou indiana o suficiente, ou mesmo se havia legitimidade para sua cidadania e, portanto, elegibilidade para a Presidência).

É importante notar que, embora comentários online não sejam reportagens da mídia, a distância entre os dois diminuiu nos últimos anos.

À medida que a linha entre “repórter” e “influenciador” se torna menos distinguível, comentaristas republicanos de alto nível continuam a postar calúnias infundadas, como Harris “não é negra…[but] parte da cota ilusória e democrata de DEI”.

Normalmente, essas narrativas se infiltram, em grande parte sem questionamentos, em uma série de canais de notícias tradicionais e de mídia social, como X, Truth Social de Donald Trump, Facebook e segmentos políticos de programas de notícias conservadores.

Nesse ambiente, a desinformação e a desinformação prosperam.

Ao mesmo tempo, os americanos são mais propensos a recorrer às mídias sociais para obter notícias e são menos críticos em relação a essas fontes, criando um ambiente em que a veracidade de declarações de gênero e raça sobre Harris é menos importante do que sua viralidade.

A história da misoginia na mídia

Líderes femininas no mundo todo, como a ex-primeira-ministra Julia Gillard na Austrália, a britânica Theresa May (e, brevemente, Liz Truss), a neozelandesa Jacinda Ardern e Sanna Marin na Finlândia, todas sofreram representações misóginas na mídia.

Muitos podem se lembrar do oponente de Gillard posando com cartazes “Abandone a Bruxa”, assistiram a compilações de vídeos de Ardern respondendo a perguntas misóginas ou do furor internacional que Marin enfrentou depois de, nas palavras da Fox News, “se tornar viral por [a] vídeo de dança atrevido…”.

A última (e primeira) candidata presidencial de um grande partido dos Estados Unidos, Hillary Clinton, enfrentou um ambiente de mídia semelhante, que adotou pistas misóginas de seu oponente político.

Mesmo com as proteções oferecidas a ela em sua posição de privilégio e poder, a mídia aparentemente ficou muito feliz em responder aos apelos de Trump para “prendê-la” com uma série de reportagens investigativas sobre a Fundação Clinton, seu mandato como Secretária de Estado e seu caráter.

Como mulher negra e sul-asiática, Harris pode enfrentar mais assédio do que Clinton, Gillard, Ardern ou Marin, todas brancas em países de maioria branca.

O termo misogynoir, cunhado pela feminista negra e gay Moya Bailey, descreve apropriadamente um “tipo particular de ódio direcionado às mulheres negras na cultura visual e popular americana”.

No passado, os oponentes de Harris já se referiram a ela como “agressiva”, “raivosa” e “má”, e sugeriram que ela é uma indicada do DEI que foi bem-sucedida pela novidade dessas identidades, e não por suas qualificações.

As recentes reportagens da mídia sobre Harris, portanto, dão continuidade a essa rica tradição em um ambiente em que um segundo governo Trump representa uma grave ameaça à democracia americana.

As consequências do preconceito

Reportagens tendenciosas da mídia contribuem para consequências no mundo real, impedindo mulheres e pessoas marginalizadas de entrar na política devido ao medo de assédio online e uma infinidade de preconceitos.

Um relatório do Global Institute for Women’s Leadership and Women For Election na Austrália descobriu que 66% das mulheres entrevistadas consideravam o assédio online uma barreira para concorrer a um cargo. Outros 46% disseram que o preconceito contra candidatos de origem marginalizada era um impedimento adicional.

Jovens politicamente engajados também veem a segurança no local de trabalho — ou seja, espaços livres de violência, misoginia e outras formas de discriminação — como crucial para seu engajamento em uma carreira política.
Muito antes da tentativa de assassinato de Trump, a segurança pessoal dos candidatos políticos era uma preocupação fundamental.

A percepção da política como hostil e insegura (também conhecida como “parlamentos tóxicos” em um novo livro lançado pelo Instituto Global de Liderança Feminina da ANU na semana passada) corrói ainda mais a confiança nas instituições políticas e desencoraja os jovens de seguir carreiras políticas.

Mulheres jovens e outros grupos minoritários não têm a proteção do Serviço Secreto quando concorrem a cargos locais, mas essas políticas continuam tão agressivas – e muito mais acessíveis – do que o Salão Oval.

As condições em que Harris obteve a nomeação também importam.
Com um presidente envelhecido com resultados muito abaixo dos de seu oponente nas pesquisas, uma economia doméstica turbulenta e o apoio altamente criticado à guerra de Israel contra os palestinos, a passagem de bastão de Biden para Harris lembra o fenômeno do “precipício de vidro”, em que mulheres são promovidas à liderança em “momentos particularmente precários” — por exemplo, em períodos de crise ou quando a chance de fracasso é alta.
Essas condições são importantes, pois estarão inextricavelmente ligadas à história da candidatura de Harris à presidência e incorporadas a inúmeras explicações ou justificativas sobre o sucesso ou fracasso de sua campanha.

Progresso ou apenas manter a linha para as mulheres?

Se Harris perder em novembro, o governo Trump deverá implementar e acelerar políticas que prejudicam os direitos das mulheres e das minorias em questões como aborto, imigração, educação e direitos de voto.

O sucesso dessa agenda terá consequências de longo alcance para os EUA e seus aliados, sem mencionar a mobilização de governos antiliberais em todo o mundo que estão implementando agendas populistas e antidireitos.
No entanto, mesmo que Trump fracasse e Harris se torne a próxima presidente dos EUA, fica claro que a confusão de gênero e raça nas reportagens da mídia não é um problema, mas uma característica do nosso cenário midiático.

Tanto os conglomerados de mídia quanto os guerreiros cotidianos do teclado têm um efeito sobre o preconceito de gênero e racializado entre os eleitores. Os repórteres, pelo menos, devem ser mantidos em padrões mínimos para fazer melhor.

Além das reportagens, os eventos dos últimos anos revelaram as vulnerabilidades do sistema democrático americano.

Quer Harris tenha sucesso ou não, ela enfrentará um enorme fardo para simplesmente manter a linha, e muito menos impedir a regressão em uma série de domínios, do social ao econômico.

Será um trabalho de décadas não apenas para consertar as rachaduras, mas para imaginar e construir um sistema que seja mais justo, seguro e acessível para todos.

Mas quem está à altura da tarefa, se não as mulheres?

Jack Hayes é doutorando no Departamento de Relações Internacionais da Coral Bell School of Asia Pacific Affairs da Universidade Nacional Australiana.

A Dra. Elise Stephenson é uma pesquisadora e empreendedora australiana de gênero premiada e vice-diretora do Instituto Global de Liderança Feminina da Universidade Nacional Australiana.

Originalmente publicado sob Creative Commons pela 360info.

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