A logística vai estar em instalação até domingo, mas já é certo que segunda-feira arranca a megaoperação de legalização de imigrantes que visa acabar com os pedidos em atraso acumulados aos milhares na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), grande parte herdada ainda do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes abre a 9 de setembro o seu ‘quartel-general’, o primeiro e maior Centro de Atendimento da operação, localizado no complexo da Comunidade Hindu de Portugal, em Lisboa.
“Com o objetivo de resolver os mais de 400 mil processos pendentes de análise, tendo em vista a regularização dos que já se encontravam a trabalhar em Portugal até ao dia 3 de junho e que cumprem os requisitos legais para a obtenção da autorização de residência, está neste momento em curso uma operação logística integrada e robusta para concretizar a abertura do primeiro Centro de Atendimento da Estrutura de Missão”, confirma a AIMA ao Expresso.
O espaço, localizado na zona de Telheiras, terá horário alargado, das 8h às 22h, diversas zonas de atendimento e “contará diariamente com o trabalho de mais de uma centena de pessoas”, desde “funcionários da própria AIMA” a “colaboradores de entidades da sociedade civil que já receberam formação técnica por parte das Forças de Segurança e outras autoridades competentes”, detalha a agência. Ali vão fazer o atendimento presencial dos imigrantes e a recolha dos dados biométricos, com vista à futura atribuição de uma Autorização de Residência em Portugal.
E não faltará espaço para acomodar a afluência programada. O complexo da Comunidade Hindu tem 15 mil metros quadrados, onde cabe o templo Radha Krishna, salões de festas, danças e yoga, uma cantina, entre outras valências. Foi aqui, aliás, que funcionou, durante dois anos, um dos centros de vacinação contra a covid-19 da Capital. Foi o último de Lisboa a fechar, em março de 2023, com um recorde de 417.594 vacinas administradas.
A tutela governamental agora é outra, passa da Saúde para a Presidência, e o prazo de funcionamento bem menor: as portas estarão abertas até 2 de junho de 2025, véspera do primeiro aniversário do Plano de Ação para as Migrações do Governo e consequente extinção das manifestações de interesse, o mecanismo que permitia até então aos trabalhadores estrangeiros pedir legalização em território nacional.
Além do ‘quartel-general’ de Lisboa, a operação prevê a abertura de outros espaços de legalização a nível nacional, de menor dimensão, contratualizados com autarquias e organizações não governamentais (ONG). No ‘backoffice’, responsável pela análise da documentação de cada requerente, está assegurado o apoio da Ordem dos Notários e da Ordem dos Solicitadores.
Anular para avançar
Desde 31 de agosto que os canais de Youtube e grupos de Facebook e WhatsApp de apoio aos imigrantes estão em polvorosa, a antever o arranque da operação. Nesse dia, milhares de cidadãos estrangeiros com manifestações de interesse – e que já pagaram antecipadamente o pedido – receberam um email em nome da Estrutura de Missão para a Recuperação de Processos Pendentes a informá-los que estavam a ser desenvolvidos “novos procedimentos, novos sistemas de informação e novos centros de atendimento ao longo do território nacional” para “regularizar os cidadãos migrantes com maior rapidez e segurança”. E que para acelerar a tramitação do seu processo deviam carregar no Portal de Serviços AIMA toda a documentação: passaporte, registo criminal, vínculo laboral e comprovativos de entrada regular, de alojamento e de inscrição na Autoridade Tributária.
Mas havia um senão. Este apregoado avanço trazia consigo um recuo. Os imigrantes que já tinham data para comparência na AIMA, a maioria no dia seguinte ou dali a dois ou três dias – e pela qual esperavam há cerca de dois anos – viram esse agendamento anulado. “Assim sendo, deve desconsiderar o agendamento anterior feito pela AIMA e aguardar por um novo, que será muito brevemente efetuado, num dos novos locais de atendimento em fase de instalação”, lê-se no documento.
Os mais sortudos receberam a missiva já com um nova data confirmada – o Expresso viu marcações assrguradas ao longo de todo o mês de setembro – e o local de atendimento: Avenida Mahatma Gandhi, Centro de Atendimento Especial de Lisboa, zona 1, 2, 3, 4…
Mediadores por 9 meses
Quando, em julho, a Estrutura de Missão foi aprovada em Conselho de Ministros, ficou definido que contaria com até 100 especialistas, 150 assistentes técnicos e 50 assistentes operacionais. Ao Expresso, a AIMA não adiantou os recursos humanos com que arranca a operação, mas confirmou o recurso a colaboradores de entidades da sociedade civil. Foram estabelecidos protocolos com pelo menos oito associações de apoio aos imigrantes, a operar em Lisboa, entre as quais o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) e a Casa do Brasil, para que levassem a cabo processos de contratação de mediadores socioculturais para trabalharem como assistentes técnicos.
Os anúncios foram abertos e fechados na segunda quinzena de agosto sem que, na descrição, constasse qualquer referência à AIMA. O protocolo incluía uma cláusula de confidencialidade. Pediam o 12º ano reconhecido em Portugal, fluência em português e outra língua, de preferência inglês; experiência na área das migrações ou dos Direitos Humanos; capacidade para operar com tecnologias de informação e disponibilidade imediata. As principais atividades a desempenhar incluíam atendimento ao público, recolha de dados biométricos, registo de fotografia dos requisitantes de autorização de residência e de informações do processo em plataforma digital. Em troca davam contrato de trabalho a termo certo de 9 meses.
“Fomos convidados pela AIMA e depois pela secretaria de Estado. E não foi uma aceitação imediata, porque acreditamos que esta é uma tarefa do Estado, é responsabilidade do Estado por termo a esta tragédia, a esta situação de maus tratos dos imigrantes, de total incapacidade de resposta perante milhares de indocumentados ou mal documentados, num avolumar inaceitável. Por outro lado não conseguimos deixar de contribuir para uma solução que tem por prioridade reduzir as pendências, as vidas que estão à espera. Não dá para ignorar. Tivemos em conta o bem maior das pessoas, mas mantendo as críticas, para que se resolva o problema”, justifica André Costa Jorge, diretor da JRS, que selecionou 20 mediadores para trabalhar no Centro de Lisboa a partir de segunda-feira.