O crítico cultural e programador artístico Augusto M. Seabra morreu na madrugada desta quinta-feira, em Lisboa, aos 69 anos, avança a agência noticiosa Lusa, citando uma fonte próxima da família.
Nas últimas semanas, o estado de saúde de Augusto M. Seabra, que foi jornalista e crítico nos jornais “Expresso” e “Público”, agravou-se e encontrava-se “muito debilitado”. Acabaria por morrer esta noite no Lar Santa Joana Princesa, vítima de várias complicações prolongadas de saúde, adianta o diário “Público”.
Nascido em 9 de agosto de 1955 oicenciado em Sociologia pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE), este amante da música, do teatro e do cinema dedicou-se à crítica musical desde 1977 – dois anos depois de ter feito parte do Movimento de Esquerda Socialista (MES), durante o Verão Quente de 75.
Além do Expresso e do “Público” (no qual fez parte da equipa fundadora), exerceu o seu mester de crítico cultural em jornais como “A Luta”, “Diário de Notícias” e “Já”.
Antes de ingressar no “Público”, do qual, curiosamente, nunca fez parte dos quadros, Augusto M. Seabra distinguiu-se nas páginas do Expresso, entre 1978 e 1989, ao escrever sobre música erudita, política cultural e, sobretudo, cinema. Fez parte da equipa da Revista do Expresso liderada por Vicente Jorge Silva, na qual a crítica de cinema viveu momentos especiais. Aí foi parceiro de Vicente Jorge Silva, mas também de Jorge Leitão Ramos, Manuel Cintra Ferreira, Manuel S. Fonseca e outros, numa redação de que também fizeram parte, em vários momentos, Clara Ferreira Alves, Miguel Esteves Cardoso, Eduardo Prado Coelho, Alexandre Melo e José Quitério.
Uma década que viu Lisboa mudar de forma decisiva, e durante a qual o surgimento do Frágil, no Bairro Alto, arrebatou uma então nova geração de intelectuais à qual Augusto M. Seabra não fugiu. Participou galhardamente nessa movida lisboeta, gerando paixões mas também ódios. Foi aí que teceu redes de cumplicidade com Manuel Reis, Julião Sarmento, Al Berto, Zé Fonte, Manuel Graça Dias ou Manuel Mozos. Esteve sempre empenhado na transformação das instituições. A esse respeito, não é possível deixar de lembrar a sua última “façanha” ao fazer cair o ministro da Cultura, João Soares, quando, em abril de 2016, este o ameaçou com um par de bofetadas devido às críticas por si tecidas. O então primeiro-ministro António Costa obrigou-o a demitir-se.
Na sua biografia enquanto colunista do jornal “Público” ainda se pode ler que fez parte do júri em festivais de cinema como Cannes, San Sebastian, Turim; Salónica ou Taipé, e foi consultor do Script Fund do programa media da EU. Foi presidente da Associação Cultural Saldanha e director de programação dos festivais Monumental 1995 e 1996. Também tem sido responsável por vários ciclos de cinema, sendo programador associado e responsável pela secção “Riscos” no Doclisboa desde 2007. Comissariou para a OrquestrUtópica os concertos “Metropolis – Música e Política” e “BMC – NYC, Black Mountain College – New York City” . Colaborou com alguns coreógrafos, e foi consultor musical do filme “E o tempo passa” de Seixas Santos.
Conhecido pela sua “grande inteligência” e memória – como contava em 2016 ao “Sol” um antigo colega do Expresso, que o considerava “uma enciclopédia ambulante” –, Augusto M. Seabra apreciava também a boémia e vida noturna, recordam ex-companheiros de jornalismo ao mesmo jornal.
Já Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota de pesar entretanto publicada no site da Presidência da República, realça que “Augusto M. Seabra encarnou como poucos no Portugal contemporâneo a figura do crítico cultural”. Recorda “uma longuíssima amizade, cumplicidade e apoio” e “os encontros nos anos finais marcados por uma penosa doença”, prestando homenagem “à sua presença marcante nas artes, espetáculos e ideias em Portugal” e a um homem que, na sua perspetiva, é “um dos últimos representantes de um tempo em que a crítica era determinante no espaço público”.