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Nem a Comissão é de Von Der Leyen nem a Europa é dos partidos. Nem só dos governos

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As reacções às pastas, funções e nomes anunciados para a nova Comissão Europeia revelam algumas das características mais íntimas da política europeia. Os países acham que os comissários são seus representantes, apesar da letra dos Tratados dizer expressamente o contrário. O Parlamento Europeu acha que tem uma legitimidade democrática superior à dos governos, em geral, e a alguns muito em particular. Os partidos europeus, apesar de serem uma realidade que só existe em Bruxelas e entre políticos, entendem que são o centro de gravidade da política europeia. A presidente da Comissão Europeia, esta presidente, Úrsula Von der Leyen, tem uma visão hiper-presidencialista da Comissão e, sobretudo da Europa. E, depois do conflito com o unanimemente desconsiderado Charles Michel, também António Costa corre o risco de ter de ter guerras com Von der Leyen ou os governos perdem o poder que a natureza da União Europeia e os Tratados lhes dão.

Apesar da insistência de Von der Leyen para que os governos lhe oferecessem dois nomes, de um homem e de uma mulher, para que a presidente da Comissão Europeia escolhesse livremente quem seria o comissário ou a comissária de cada paísos governos nacionais, quase unanimemente, enviaram-lhe apenas um nome. Maioritariamente homens. Para lá do problema do equilíbrio entre mulheres e homens na Comissão, isso foi também um braço de ferro entre governos e presidente da Comissão. Ganharam os governos na maior parte dos casos. Mas alguns cederam, mudando de nomes em troca de pastas mais interessantes para os seus comissários. E na composição da Comissão, Von der Leyen recompensou os países que enviaram mulheresfazendo quatro delas vice-presidentes, contra apenas dois homens. Foi a vingança possível. A que se juntou outra, mais relevante: a defenestração de Thierry Breton, nas vésperas de, achava o próprio, ser anunciado super vice-presidente de todas as coisas importantes. O poder está na presidente, explicou assim Von der Leyen.

Esta batalha revelou, também, como afinal os comissários e as suas pastas são uma extensão do interesse nacional. Nada que quem circula em Bruxelas tenha descoberto hoje. Assim que foram anunciadas as funções e as pastas de cada um dos comissários, começou a medalhística: uma medição em ouro, prata ou cobre dos lugares conquistados. Em cada país, jornalistas e políticos analisaram, em função dos seus interesses, a relevância da pasta e a hierarquia do posto do seu nomeado. Lá onde estiverem, os famosos fundadores da Europa devem ter rebolado de fúria. E descoberto, com mortal angústia, que a Europa ainda é uma construção de Estados. Uma boa razão, realista, para não deixar de ter um Comissário por país.

No Parlamento Europeu, as reacções contam outra luta de poder. A primeira discussão é sobre quais (e quantos) destes nomes o Parlamento Europeu vai chumbar. Depois de ter iniciado esse exercício na primeira presidência Barroso, o Parlamento Europeu ganhou-lhe gosto. E assim, todos os cinco anos o devolve à procedência uns quantos candidatos a comissários. Seja por razões de competência – o que torna as audições um processo único e estimável – seja por puras questões políticas e partidárias. Se os Socialistas reúnem forças para chumbar um escolhido pelo PPE, os Populares matam um ou dois socialistas. E Socialistas e Populares, que precisaram dos Liberais para as suas execuções, matam pelo menos um Liberal, não vão eles pensar que têm imunidade por serem necessários para as maiorias. A que acresce o chumbo, quase certo e unânime, de quem vem da Hungria. Por causa de Órban, não do candidato.

Desta vez, há duas grandes questões. À esquerda do PPE há uma enorme fúria por o nome indicado por Meloni, vindo do seu partido, ter uma das seis vice-presidências. O facto de o homem, Rafaelle Fitto, ser um comprovado europeísta, dos mais moderados que os Irmãos de Itália têm para mandar, e de Itália ser a terceira economia da União e não ter esse posto há uns tempos, não parece comover a fúria parlamentar.

O outro grande debate é mais esdrúxulo e resulta da ideia absurda de fazer da eleição para os deputados ao Parlamento Europeu uma eleição presidencial europeia. Por mais que os partidos tenham feito referências aos seus candidatos, nomeadamente Úrsula Von der Leyen e Nicolas Schmit, não foi neles que os europeus votaram, ou não. Mas os partidos europeus querem que se ache que sim. É isso que explica que os Socialistas europeus entendam que o governo luxemburguês, de centro-direita, estava obrigado a nomear o dito Schmit, um cavalheiro simpático mas socialista, e não alguém do partido do governo. Esta bizarria só é possível porque os partidos europeus acham que as eleições europeias são sobre si, e não sobre os candidatos a deputados. Estão enganados e ou os governos europeus lhes explicam isso ou qualquer dia é o Parlamento quem escolhe os comissários sozinho.

Tudo isto pode parecer mercearia de quem circula por Bruxelas, mas não é. O poder político no continente é cada vez mais europeu. Escolher quem o detém é tudo menos irrelevante.

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