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Salvar a floresta?

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José Almada Negreiros, em “A Invenção do Dia Claro”, escreveu “quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade”.

Foi disto que me lembrei quando comecei a preparar a tema dos incêndios para hoje.

Mas, não nos iludamos: nem Almada achava que era simples (e um século depois continua a não ser) nem salvar Portugal das tragédias que vivemos na passada semana é óbvio.

Pelo contrário – varrendo a minha testada – direi o que me parece dever ser feito. Mas faço-o com a resignada certeza de que com elevada probabilidade nunca acontecerá.

E, no entanto, se houve momento de unidade nacional foram as noites que passámos a ver chamas nas televisões. E isso não deveria ser desperdiçado.

Enfrentar a sério o problema potenciando essa unidade nacional seria algo que colocaria o Presidente da República como alguém que veio para fazer algo de acordo com as suas qualidades, e assim reservar-se um lugar na História.

Mas só seria assim se não tivesse gasto os seus poderes a falar todos os dias durante mais de oito anos várias vezes para qualquer microfone que lhe aparecesse à frente (ou que ele vislumbrava ao longe) e a tirar selfies com todos nós.

As coisas são como são… ou é a vida, como disseram alguns de forma que bem revela a especificidade da alma portuguesa.

INCÊNDIOS: CAUSAS E PREVENÇÕES

Para começar, peguei num texto do Professor Xavier Viegas (mas poderia ser um outro) no Público de há uma semana.

Em resumo, este grande especialista enumerou um conjunto de fatores causais dos grandes incêndios da passada semana, e aludiu ao que foi sendo feito e ao que falta fazer.

Fatores causais são, para ele, (i) a chuva que fez crescer a matéria combustível até dentro de Verão, (ii) o forte vento leste, (iii) a extrema secura dos materiais, (iv) a inexistente humidade no ar (v) o desleixo dos portugueses.

Outros referiram (vi) entidades interessadas nos negócios a montante e a jusante dos fogos, (vii) pessoas perturbadas mentalmente, (viii) a atração quase diabólica pelas chamas, (ix) as fagulhas secas que voam e acabam por reproduzir fogos muitos deles a partir das 20h da noite, e – last but no the least – (x) o agravamento da situação climática em Portugal.

O que todas estas dez causas têm em comum é que quando ocorrem – e, como explicou há dias o Arq. Paisagista Henrique Pereira dos Santos, repetem-se com alguma regularidade os fenómenos naturais, por exemplo em 2017 e 2024 – pouco ou nada há a fazer que não seja deixar arder.

Sendo as coisas assim, Xavier Viegas (e todos os outros especialistas) dizem que o essencial é a prevenção dos incêndios. Para isso refere no citado texto, entre outros relevantes coisas a fazer (a) maior consciencialização das pessoas, (b) gestão dos espaços agro-florestais, (c) evitar grandes continuidades de uma mesma espécie, (d) reduzir a vegetação rasteira nos espaços florestais, (e) ter zonas sem vegetação que cortem o fogo, (f) identificar quem são os proprietários para os obrigar a limpar, (g) criar condomínios de gestão florestal, (h) gerir a floresta de uma forma mais produtiva.

E outros referem, como sempre, (i) o reforço de meios humanos e de equipamento, (j) o aumento da formação altamente especializada de bombeiros em prevenção e ataque aos fogos florestais.

Ora, apesar do que tem sido feito – e reconhecem os especialistas – a maior parte destas medidas preventivas não se conseguem implementar e de pouco ou nada servem em situações como as de 2017 e deste ano.

Como refere Xavier Viegas e outros, há quase 25 anos que se trabalha na área, temos dos melhores cientistas mundiais. Ou seja, no fundo Almada Negreiros é quem tem razão.

INCÊNDIOS: CORAGEM DE IMPOTÊNCIA OU DE REFORMAS

Neste momento, creio que será evidente para todos que me estão a ler que o resumo é que na prática nos resignamos a dizer que os incêndios são como os impostos ou a morte (tê-lo-emos sempre connosco), mas na teoria enchemos a boca a dizer que a solução está nas medidas preventivas a implementar, que sabemos não irem ocorrer em medida suficiente.

De facto, entra pelos olhos dentro – como a poeira e o fumo – que não vai acontecer nada do que se propõe. Por isso, ou temos a coragem de dizer que nada vai resultar ou a coragem de dizer e fazer o necessário e pagar o preço político.

Veja-se, por exemplo, (i) a criação de zonas abertas sem floresta, (ii) a plantação de árvores de espécies diferentes, (iii) a limpeza permanente da vegetação rasteira e (iv) a gestão da floresta ser feita de forma produtiva. No fundo, estas são as principais medidas preventivas que podem reduzir drasticamente os incêndios.

Se os terrenos rurais nestas zonas críticas de fogo tivessem grande extensão e fossem de grandes proprietários (individuais ou coletivos) era possível aplicar essas medidas, punir quem as não cumprisse e no fundo concretizar as oito primeiras medidas de prevenção de incêndios.

E quanto às últimas duas (haver mais profissionais especializados e mais equipamentos) seriam até financiadas pelos proprietários, como fazem as empresas papeleiras nos seus terrenos que ardem muitíssimo menos e quando ardem é por incêndios vindos de fora.

Ora, os terrenos rurais nas zonas críticas, são de minifúndio, muitas vezes não se sabe (nem eles…) quem são os proprietários, não têm recursos para suportar os custos das limpezas pelo menos uma vez por ano, não são rentáveis as suas produções, muitos são terrenos que se chamariam de reserva ecológica, escarpados, inacessíveis a meios mecânicos, não limpos, sem utilidade económica e abandonados a incendiários ou aos fatores climáticos cada vez piores.

Como é óbvio, a aposta em soluções condominiais de base voluntária não vai funcionar. Veja-se o exemplo (de que tive direto conhecimento, mas repetem-se por todo o lado) de alguém que viu arder toda a sua muito bem tratada propriedade com adequada dimensão e muito investimento ao longo dos anos, devido a um incêndio vindo de terrenos vizinhos abandonados, que tentara comprar por temer o que ocorreu, e que nem sequer sabia a quem se dirigir.

TRATAR A FLORESTA COMO ATIVIDADE REGULADA

Por isso, a alternativa a cruzar os braços e deixar arder (sempre uma vez por ano, dizendo umas tretas e prometendo umas coisas) é tratar a floresta como hoje em dia se tratam outras áreas económicas, em que existem regras para início de atividade e para fechar as empresas que as não cumprem.

Realmente, assim como não se pode abrir um banco ou uma universidade sem cumprir regulamentos, também o Estado devia ter a coragem de regular a floresta, dar um prazo para que se formem propriedades acima de uma dimensão mínima, expropriar o que não tenha dimensão adequada, começando por tudo o que pareça estar abandonado.

Além disso, o Estado deveria ordenar o abate de árvores em zonas escarpadas, exigir planos de manutenção dessas áreas muito rigorosos, com expropriação para quem as não cumprir e, em alternativa, propor a aquisição desses terrenos para os tornar em áreas públicas protegidas dos incêndios.

Eu sei que o que proponho é politicamente explosivo e ainda mais em ano de eleições autárquicas. Por isso acho que nada disto será feito, todos optando por paliativos de faz de conta.

Mas conviria ao menos que se respondesse a uma pergunta e se fizesse uma averiguação.

A pergunta é: quanto foi a destruição de capital que sofreu a economia portuguesa em quatro dias de setembro, somado ao valor anualmente gasto em CAPEX e OPEX para evitar que isso acontecesse?

A averiguação é: quantos incêndios e de que dimensão atingiram terrenos de produção florestal industrial (olival, sobreiral, eucaliptal, pinhal, souto de castanheiros) empresarial e quais foram os que não vieram de terrenos limítrofes?

Podemos continuar a meter a cabeça na areia e rezar para que o clima mude e com isso acabem os incêndios. Podemos, mas até Nossa Senhora de Fátima pode perder a paciência.

Mas se nada se pode fazer, que tenham a decência de não nos tentar enganar para que nos convençamos que isto vai lá com paliativos e se não vai que a culpa é do clima, dos interesses ou dos mentalmente perturbados.

Tudo isso existe, como é óbvio. Mas sem a coragem de reformas urgentes e duras, tudo isso vai continuar a existir e com diabólico sucesso. Inexoravelmente.

A TRAGÉDIA NA AZAMBUJA

Também prometera falar do jovem de 12 anos que, numa escola da Azambuja, com uma faca se atirou a colegas ferindo seis, felizmente sem que nenhum morresse.

Sabe-se pouco ou nada das causas e motivações, mas vi escrito que pode ter sido um surto psicótico, que foi influenciado pelo que viu nas televisões e redes sociais, que fora vítima de bullying, que copiou o que terá visto ou praticado em jogos que estão em muitos telemóveis, que estava a tornar-se nazi.

Não sei, mas provavelmente até pode ter sido isto tudo o que gerou o acontecimento.

Infelizmente está a chegar a Portugal o que existe há muito em países mais desenvolvidos.

Pouco se poderá fazer, admito, mas o que seria possível talvez não tenha sido feito:

(i) controlo da entrada nas escolas revistando os que entram, nem que seja por amostragem,

(ii) autorregulação dos media (que já o fazem para matérias politicamente sensíveis e outro tipo de crimes, evitando dar palco e dar ideias),

(iii) aposta no ensino orientado para este tipo de problemas, mais prioritários e urgentes do que outros mais em moda em aulas de Cidadania,

(iv) maior focagem das famílias nos seus filhos, não tanto para os levar a atividades extracurriculares, mas para com eles falar e estarem atentos a tudo o que possa potenciar comportamentos desviantes,

(v) limitação do acesso de menores a redes sociais e a jogos violentos.

Infelizmente não estou muito otimista. Ao longos dos séculos a Humanidade foi resolvendo problemas para ver outros nascerem.

Agora são os que resultam de sociedades e corpos intermédios desestruturados, do isolamento típico das “multidões solitárias” que já nos anos 50 do século passado David Riesman pressentiu e teorizou.

Estamos a entrar numa fase com perigos desconhecidos para os quais não estamos preparados. Mas temos de nos preparar para os reduzir. Essa uma missão para todos. E todos não seremos se calhar suficientes.

O ELOGIO

Ao Presidente da República por ter dito o óbvio, mas que não é fácil: governar por duodécimos até 2026 é inaceitável, ou há orçamento aprovado ou eleições daqui a menos de 6 meses.

Como venho dizendo, o “chicken game” pode ser fatal. E agora já não há o equívoco de que se pode ter orçamento rejeitado sem eleições antecipados.

E as regras do jogo são claras. Ouçam ou leiam o que disse o Ministro dos Assuntos Parlamentares: “Nós sabemos que não temos maioria absoluta no Parlamento e, portanto, estamos disponíveis, mais do que disponíveis, estamos interessados em conversar, em negociar e em ceder onde for preciso ceder para podermos ter um Orçamento aprovado”.

Mas há um limite: “Quando eu digo ceder onde for preciso há um limite que é muito simples, que é quando deixarmos ter o projeto do Governo. Não faz sentido se nos deixarmos de rever no Orçamento”.

LER É O MELHOR REMÉDIO

O Professor de Criminologia da Universidade de Copenhaga, Keith Howard, fez-nos a pergunta: “já notaram que em vez de serem considerados adultos com maturidade, são tratados como crianças irresponsáveis sempre carentes de proteção?”

O resultado foi “Infantilised”, uma obra essencial para se entender as causas deste fenómeno e as suas gravíssimas e perigosas consequências nos planos psicológico, social e político.

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