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Psicólogos das universidades contestam “cheque-psicólogo”: “Maioria dos alunos será excluída”

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Critérios de inclusão demasiado restritivos, número limitado de consultas, falta de garantias de encaminhamento de casos graves para os serviços de saúde e “falta de articulação” entre os vários ministérios envolvidos são algumas das críticas feitas pelos psicólogos das instituições de ensino superior em relação ao “cheque-psicólogo”. A medida, criada pelo Ministério da Juventude e Modernização, em colaboração com o Ministério da Educação e a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), está prevista para entrar em vigor esta segunda-feira.

Num documento a que o Expresso teve acesso, e que será divulgado publicamente em breve, a Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior (RESAPES) sublinha desde logo que, “na sequência das notícias sobre a aplicação da medida ‘cheques-psicólogo’, foi solicitada uma reunião com a Ordem dos Psicólogos para esclarecer as dúvidas que alguns dos associados tinham levantado”.

Na referida reunião, a RESAPES levantou várias questões, nomeadamente por que razão nem a associação nem os Serviços de Apoio Psicológico e Educativo (SAPE) das várias universidades foram contactados em nenhum momento do processo. Também foi questionado o que acontecerá aos estudantes que não correspondam aos critérios de inclusão — e se estes serão encaminhados para os serviços de psicologia das faculdades — bem como o que será feito caso o estudante necessite de mais consultas do que as previstas no âmbito da medida.

Cada estudante, seja de instituições públicas ou privadas, poderá usufruir de até 12 cheques, válidos por um ano (entre a primeira e a última consulta). Dois desses cheques serão utilizados para uma triagem inicial, destinada a verificar se o aluno se enquadra nos critérios de inclusão.

“Fomos informados de que o contacto com a OPP, por parte dos responsáveis ministeriais, foi feito com um calendário muito apertado, obrigando a OPP a dar uma resposta sobre critérios e disponibilidade para organizar a bolsa de psicólogos/as num curtíssimo espaço de tempo. Tal facto impediu o contacto com os serviços e com a RESAPES”, refere a associação, acrescentando ter recebido garantias da Ordem dos Psicólogos de que “tudo está a ser feito para que [estava iniciativa] não substitua outras medidas estruturais, que garantirão respostas de qualidade aos estudantes do ensino superior”.

No documento, a RESAPES apresenta várias críticas, entre as quais a “falta de articulação que a medida parece evidenciar entre os ministérios envolvidos e o Ministério da Saúde” e a “desarticulação com o programa de promoção de saúde mental no ensino superior, que está a ser implementado por várias instituições de ensino superior e que preconiza uma intervenção integrada e por níveis, na qual esta medida poderia ter sido incluída.” Também se diz preocupada com o acompanhamento fora das faculdades de problemas diretamente relacionados com o contexto do ensino superior, como dificuldades de adaptação e ao nível da gestão de carreira, conforme está previsto.

A medida do “cheque-psicólogo” aplica-se ainda a estudantes com problemas de saúde mental frequentes, como ansiedade e depressão; com problemas sociais ou académicos que afetam a saúde mental, como dificuldades relacionais e ansiedade em relação a exames. Também abrange problemas de saúde física, como doenças crónicas, que impactam a saúde mental.

A RESAPES expressa ainda preocupação com o impacto da medida nos próprios psicólogos das faculdades. “Algumas colegas que estão em situações precárias nos serviços de apoio psicológico temem que esta medida impeça a renovação dos seus contratos ou avenças.”

O Expresso questionou o Ministério da Juventude e Modernização sobre algumas das críticas apresentadas, mas não foi possível obter uma resposta em tempo útil.

Medida aplica-se a “pequeno número de estudantes”

Ao Expresso, Olga Cunha, presidente da RESAPES, alerta que “a maioria dos alunos” será excluída da medida. “Estudantes com sintomas há mais de um ano e meio ou com ideação suicida ficarão de fora, quando os estudos sobre saúde mental no ensino superior mostram que a ideação suicida, por exemplo, é relativamente comum. Se os critérios forem aplicados rigorosamente, muitos procurarão ajuda e, já com o profissional de psicologia diante deles, serão informados de que não cumprem os critérios e que, por isso, não poderão ser ajudados. Haverá uma criação de expectativas que depois não serão cumpridas, o que é, em si, prejudicial para a saúde mental. Apenas um pequeno grupo de estudantes irá beneficiar da medida.”

Além dos critérios referidos, serão excluídos estudantes com problemas de consumo de substâncias, perturbações psicóticas ou bipolares, perturbações da personalidade, e aqueles com necessidades educativas específicas, cujo acompanhamento deverá ser feito pelas próprias instituições.

Olga Cunha expressa preocupação com o número limitado de consultas. “Para dificuldades de adaptação, dez consultas podem ser suficientes, mas para outros casos, não. Muitos estudantes trazem questões académicas que, na verdade, são pretexto para pedir ajuda com outros problemas.”

A responsável destaca ainda a falta de garantias de encaminhamento para os serviços de saúde, apesar de isso estar previsto, segundo o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues. “Os casos graves serão supostamente encaminhados para as urgências psiquiátricas, mas nós, nos serviços de psicologia das faculdades, já o fazemos, e o SNS não responde. Muitas vezes, as consultas de urgência só são marcadas para dali a três meses”, afirma Olga Cunha, sublinhando a importância de garantir a monitorização da medida. “Ninguém nos explicou como será avaliada a medida. É crucial saber que alunos usufruíram, quantos voltaram a precisar de ajuda, que respostas receberam, como foram encaminhados para os serviços de saúde, e se estes responderam adequadamente.” Serão disponibilizados, no total, 100 mil cheques.

A medida do cheque-psicólogo estava prevista para entrar em vigor esta segunda-feira, com a disponibilização, no portal do governo, da lista nacional de psicólogos que aderiram ao projeto e da opção para solicitar apoio psicológico.

Quando estiver disponível, os estudantes efetuam o pedido no site www.gov.pt e as instituições de ensino superior recebem notificação desse pedido e atribuem os códigos dos cheques.

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