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Mercado voluntário de carbono desbloqueado após nove meses: Governo publica portarias essenciais na próxima semana

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Emperrado há nove meses devido à ausência de regulamentação complementar, o mercado voluntário de carbono prepara-se para finalmente ser desbloqueadocom o Governo a publicar na próxima semana as portarias que estabelecem as regras necessárias à sua operacionalização, avançou ao Expresso o Ministério do Ambiente e da Energia, liderado por Maria da Graça Carvalho, prometendo a entrada deste sistema em funcionamento para “muito em breve”.

Segundo apurou o Expressoa publicação deveria ter ocorrido já esta semana, mas o Executivo decidiu adiá-la em virtude dos incêndios que assolaram o País.

Instituído no início do ano, o mercado voluntário de carbono permite que pessoas, empresas e organizações comprem e vendam créditos de forma facultativa para compensar as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e reduzir o seu impacto ambiental. Entidades comprometidas com a neutralidade carbónica, por exemplo, podem adquirir créditos de carbono para suprir as emissões que não conseguem reduzir diretamente nas suas operações.

Este diploma visa incentivar a participação de vários agentes no mercado (públicos ou privados) através da procura ou da oferta de projetos de redução ou captura de emissões de GEE, como as iniciativas de reflorestação, energias renováveis, eficiência energética ou tecnologias que removem o dióxido de carbono do ar. Por norma, um crédito equivale à redução ou remoção de uma tonelada de emissões de carbono.

Contudo, passados nove meses, a ideia ainda não saiu do papel. Embora o decreto-lei tenha sido publicado em janeiro, para o mercado voluntário de carbono entrar em vigor é preciso criar outras condições: desde logo, uma comissão técnica de acompanhamento para o desenvolvimento e avaliação de metodologias, uma plataforma para registo e transação dos créditos, e portarias que definem critérios essenciais à operacionalização do sistema.

Sem a regulamentação acessória, o mercado não avança. Isso mesmo confirma a Adene – Agência para a Energia: “Neste momento aguarda-se a publicação das portarias, previstas no decreto-lei n.º 4/2024, de 5 de janeiro, que deverão conter a regulamentação que vai permitir a operacionalização do mercado voluntário de carbono português”. Tanto a Adene como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) estão implicadas neste projeto.

Oportunidade ou falta de ambição climática?

A regulamentação do mercado voluntário de carbono em Portugal continua a suscitar debates intensos, com especialistas e associações ambientais a questionarem a sua eficácia no combate às alterações climáticas. A Zerouma das principais vozes críticas deste sistema, alerta para várias fragilidades no diploma, expressando preocupação quanto à “falta de ambição climática” e ao risco de lavagem verde (falsas alegações ambientais).

Segundo a associação, a iniciativa está a transmitir um “sinal errado” ao não promover um esforço real de descarbonização, uma vez que permite às empresas compensarem as suas emissões através de projetos de sequestro de carbono, como a plantação de árvores. Os ambientalistas defendem que este tipo de sistema não garante uma mitigação climática verdadeira e pode induzir os participantes a relaxarem nas suas metas de neutralidade carbónica.

“Numa altura em que precisamos urgentemente de acelerar o processo de descarbonização de todas as atividades económicas”, a Zero não consegue identificar o propósito. Além disso, sublinha que, sem um seguro obrigatório que possa ser acionado em caso de eventuais falhas nos projetos de sequestro (que financie o sequestro seguro, permanente e eficaz de carbono), o mercado carece de credibilidade enquanto instrumento de ação climática.

A associação considera ainda que este sistema não deveria ser utilizado para cumprir metas climáticas já estabelecidas, tanto a nível nacional quanto europeu, na medida em que o princípio da adicionalidadeque visa garantir reduções adicionais de emissões, fica comprometido. No que toca ao lavagem verde, diz ser fundamental que as empresas que optem por compensar as suas emissões o façam apenas em relação a emissões residuais e dentro de um plano de descarbonização.

Por outro lado, Tomás Araújo, consultor da Cushman & Wakefield, oferece uma visão mais otimista, sublinhando o impacto positivo que o mercado voluntário de carbono pode ter na revitalização de terrenos abandonados e mal geridos em Portugal. “Este mercado nasce para incentivar os jogadores a investir em projetos que promovam o sequestro de carbono, dando primazia a terrenos vulneráveis ou em abandono”, destaca.

Para o especialista em avaliações daquela consultora imobiliária, a estratégia não só permitirá dar uma nova vida a terrenos sem utilidade financeira, mas também contribuirá para a prevenção de incêndios ao promover uma gestão territorial mais eficiente. A escolha de espécies florestais mais resistentes a incêndios e a criação de mosaicos de vegetação, em vez de monoculturas extensivas, exemplifica, são abordagens que podem desempenhar um papel crucial na gestão de incêndios.

Apesar das potencialidades, Tomás Araújo reconhece que o risco de lavagem verde é uma preocupação legítima e destaca a importância da criação de uma plataforma robusta de registo de créditos de carbono: isso “ajudaria a prevenir a dupla contabilização de créditos e a garantir maior transparência”. O especialista enfatiza a necessidade de monitorização rigorosa dos projetos para assegurar que o sequestro de carbono prometido está, de facto, a ser alcançado.

Na sua visão, “metodologias claras e acompanhamento certificado são essenciais”. Contudo, há que salientar que “um controlo rigoroso aumenta a credibilidade do mercado, mas também os seus custos”. Assim, acrescenta o responsável, “é fundamental encontrar um equilíbrio” entre a eficiência do acompanhamento e a acessibilidade dos custos para os proprietários e investidores.

Sobre as lições que Portugal pode aprender com os mercados internacionais (onde a falta de regulamentação tem sido uma das principais falhas, permitindo práticas duvidosas e alegações enganosas de neutralidade climática), o especialista observa que a regulamentação pode ajudar a evitar alguns desses problemas, desde que sejam definidos critérios claros para a contabilização e certificação dos créditos de carbono.

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