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Aeromodelismo em Portugal? A ignorância ou o medo do regulador

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Se muitos reconhecem os irmãos Wright como autores dos primeiros voos bem-sucedidos com uma aeronave motorizada em 1903, muitos desconhecem como este sonho de voar numa máquina mais pesada do que o ar foi tornado possível por muitas experiências e abordagens pelos que acreditaram ser possível voar.

Foi o caso em 1871, mais de 30 anos antes do feito dos irmãos Wright, do francês Alphonse Pénaud que conseguiu colocar em voo um pequeno modelo não tripulado (46cm de envergadura) movido por um motor de elástico. Ficou assim aberto o caminho para a demonstração prática do voo e dos princípios da estabilidade de uma aeronave mais pesada que o ar.

É fácil de entender que o aeromodelismo desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental nos progressos tecnológicos que permitiram e continuam a permitir o desenvolvimento de inovações técnicas, baseadas em testes com modelos de pequena escala não tripulados.

O aeromodelismo, envolvendo a concepção, construção e voo de modelos em escala reduzida, para além da relevância no desenvolvimento da aeronáutica, cedo se assumiu também como uma actividade recreativa ou desportiva com elevado potencial educativo e de formação de jovens.  Esta prática desportiva tem constituído uma verdadeira escola de iniciação aeronáutica, pelos conhecimentos que são requeridos em diversos domínios que vão desde os materiais, mecânica, aerodinâmica bem como a meteorologia. Os aeromodelos são na sua maioria pilotados à vista e exigem uma formação própria de construção, montagem e pilotagem, ministrada fundamentalmente por clubes e associações de aeromodelismo sem que tenham qualquer registo de problemas sérios de segurança.

O Aeromodelismo vive, no entanto, actualmente dias difíceis.

O surgimento dos drones, introduzidos de forma generalizada no mercado durante as duas últimas décadas, adquiridos facilmente prontos a voar, teve várias consequências entre as quais o voo individual desregrado, nomeadamente sobre concentrações de pessoas em espaços públicos ou privados, na vizinhança de aeroportos e infraestruturas sensíveis. Por este motivo, a sua utilização começou a ser alvo de preocupação e de legislação própria quanto a segurança quer da aviação quer com pessoas e bens no solo. A confusão estabelecida por legisladores e reguladores, entre aeromodelos e drones, que aparecem todos na recente legislação europeia debaixo da classificação genérica de aeronaves não tripuladas, veio a colocar o aeromodelismo debaixo de restrições em larga medida injustificadas. Se os aeromodelos são na sua maioria pilotados à vista e exigem uma formação própria de construção, montagem e pilotagem, ministrada fundamentalmente por clubes e associações de aeromodelismo que mantem um histórico sem problemas sérios de segurança, já os drones são adquiridos prontos a voar por qualquer pessoa sem a necessidade de formação específica uma vez que voam de modo praticamente autónomo e mesmo fora do alcance visual do piloto tendo por isso estado na origem dos problemas de segurança surgidos nos últimos anos.

Apesar desta mistura entre drones e aeromodelos, o aeromodelismo, ao qual foi reconhecido importância e um histórico de elevada segurança, ficou de algum modo protegido na recente legislação europeia, pela deliberada introdução de artigos para permitirem que, quando praticado no seio de clubes ou associações, pudesse ter a sua actividade continuada sem disrupções e grandes restrições. No entanto a aplicação desta legislação a nível nacional ficou em larga medida sujeita aos reguladores de cada país. Em Portugal tal aplicação tem assumido interpretações muito restritivas e arbitrárias por parte do nosso regulador (ANAC- Autoridade Nacional da Aviação Civil), sem paralelo em qualquer outro país europeu e que desafiam qualquer justificação racional.

Se é compreensível e louvável a preocupação da ANAC quanto à segurança o que não é aceitável é a confusão que continua a fazer entre drones e aeromodelos, o desconhecimento da realidade prática do aeromodelismo e a sua incapacidade de ouvir e dialogar com os representantes da comunidade do aeromodelismo nomeadamente clubes e a sua Federação.

O resultado da interpretação das regras europeias pela ANAC, tem sido a castração do aeromodelismo em Portugal. Os amantes desta prática desportiva veem a sua actividade, severamente limitada como não aconteceu em qualquer outro pais europeu. Para muitas modalidades tem sido impossível realizar competições ou sequer simples treinos. Clubes houve que viram arbitrariamente e sem justificação suspensas as autorizações de operação anteriormente reconhecidas pela ANAC. A esmagadora maioria dos clubes e associações de aeromodelismo não conseguiu ou desistiu mesmo de tentar homologar junto da ANAC os seus locais de voo em face de um conjunto de exigências e de critérios arbitrariamente introduzidos e que qualquer cidadão comum não hesita em classificar entre o absurdo e o ridículo. É disso exemplo paradigmático a exigência aos clubes dum elaborado e complexo sistema de gestão obedecendo à norma NP 9001:2015 do IPQ (Instituto Português da Qualidade) ou de dados detalhados quanto à taxa de ocupação do espaço aéreo. Outros clubes há que decidiram mesmo fechar portas, abrindo por isso caminho à prática desregulada do aeromodelismo.

Enquanto isto todos continuamos a assistir, perante a indiferença das autoridades, a um registo crescente de incidentes de segurança com drones, quer de empresas quer de cidadãos comuns, que sobrevoam indiscriminadamente multidões em locais públicos e ao aumento de avistamento de drones por aeronaves tripuladas.

Paga o aeromodelismo organizado em clubes, que sempre mantiveram uma cultura de elevada segurança, pelos drones voados anarquicamente e de modo irresponsável. Nada disto parece preocupar os nossos reguladores que quanto aos drones se sentem alheios ao que consideram ser simples casos de polícia e relativamente aeromodelismo ficam satisfeitos por exigirem o que consideram serem os mais elevados padrões de segurança por mais absurdas que sejam as regras que impõem.

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